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EDSON VALENTE
( São Paulo – Brasil )
Autor dos livros Lençóis em leitos coletivos (Poesia - Patuá, 2018), Raiz forte (Contos - Patuá, 2015) e Pow-em
as e Outros Jabs Líricos (Poemas - Pátua, 2014),
Edson Valente é jornalista e também autor do livro de contos Refluxos (Ateliê Editorial, 2010). Cinéfilo admirador de Aleksandr Sokurov e Wong Kar-wai, corinthiano, não vive sem canções desesperadas de bandas como Dirty Three, Low, Tindersticks, Red House Painters, Antony and The Johnsons e The Jesus and Mary Chain. Nunca assistiu a uma luta de boxe, mas suporta ver sangue.
I. EXPIAÇÃO
Mãe,
Pede perdão.
Por me ter concebido
Teu feto abjeto
Ter aceitado o esperma
Não ter me cuspido
Mãe,
Me execra.
Devia ter me abortado
Enquanto era tempo
Me feito excremento
Lixo contaminado
Mãe,
Te peço perdão.
E como tenho te procurado
Entre tudo o que toco
E sujo
ANTOLOGIA PATUÁ 10 ANOS + Patuscada/ Vários autores. Editor Eduardo Lacerda. Capa de Leonardo Mathias. São Paulo: Editora Patuá, 2021.; 288 p. 13,5 x 21 cm.
ISBN 978-65-5864-191-9 Ex. bibl. Salomão Sousa
TAMANHOS
Dizem que diminuímos quando envelhecemos,
Semanas atrás você se pesou e disse que tinha emagrecido.
Que precisava ganhar alguns quilos.
Depois tentou se lembrar de qualquer coisa que se passara na
infância. Na minha ou na sua, tanto fazia.
Mas você nunca foi bom em jogos de memória. Eu e você. Não
importava quem, porque éramos parecidos quando tínhamos
a mesma idade, ainda que em tempos diferentes.
Ainda somos. E simultaneamente agora. Outro dia nos
confundiram no hospital. Essa coisa de máscaras.
Temos diminuídos juntos.
Quando saímos pra caminhar, damos passos pequenos.
Como quando entramos naquelas fotos infantis.
Elas hoje parecem maiores entre nossos dedos. Embora
amareladas como nossas próprias mãos, conservam uma
dimensão que nos parece incabível.
Por mais que encurtemos agros, não nos encaixamos mais
ali.
Porque, agora, a diminuição é do olhar sobretudo.
Eu não queria que fosse assim.
Você disse que vai marcar consulta no oculista. Preciso
também.
Esse resto de vontade de enxergar as coisas menores.
Quando deveria ser o oposto.
Talvez seja melhor ver tudo meio difuso. Ser engrandecido
pela névoa.
Pensar que somos maiores do que nunca. Ou que
vamos crescer ainda. Do jeito que era no tempo daquelas
fotografias.
Há quem diga que cabelo e unhas continuam crescendo
mesmo depois que a gente morre.
Espera mais um pouco.
Quero diminuir mais um tantinho primeiro.
Até caber naquelas fotos de novo.
*
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Página publicada em dezembro de 2021
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